Certa vez, lá pelos idos de 1990, um colega pediu que eu escrevesse um texto para o programa de uma peça dirigida por ele. O espetáculo tinha por nome Adolescência. Pensei por algum tempo, buscando inspiração sobre o que dizer de um tema tão peculiar à vida humana.
Ocorreu-me por um instante a pergunta: De onde vem essa palavra? Qual a origem desse termo? Confesso que Latim nunca foi o meu forte. Então, lá fui para o dicionário etmológico. Eis a resposta: “adolescência” deriva do latim ad (a, para) e olescer (crescer com dor), referindo-se, portanto, ao processo de crescimento do indivíduo.
E foi, movida pelo significado de “dor para crescer”, que me inspirei para a produção de um poema ilustrativo, porém - mais importante do que isso - mudei meu olhar e sentimento sobre esses adolescentes. Minha empatia com os meninos e meninas para os quais eu dava aula só aumentou. Acho que foi nessa época que criei meu bordão: Deus não me deu filhos, mas me deu alunos.
Desde então, passei a não ver mais como futilidade a preocupação excessiva das meninas com sua mutante aparência, assim como a necessidade do menino franzino em ganhar músculo para se destacar no grupo. Entendi, inclusive, por que sempre andam em grupo. Compreendi que as lágrimas e sorrisos, alternando-se em menos de meia hora, são gritos da alma em frangalhos, querendo habitar em um mundo estranho que, a duras penas, eles são obrigados a desvendar. Metaforizei a adolescência como um novo parto. E se nascer dói, ser parido pela vida aos 14 ou 15 anos é uma dor insuportável.
Por conviver com a esta faixa etária por tanto tempo, acho que a entendo mais do que os adultos confusos da minha geração. Talvez, por isso, eu esteja tão preocupada com esses jovens desde que a pandemia do Covid-19 tomou de assalto os rolês, os dates, e afins, obrigando-os a conviver com o que mais rejeitam nessa época: seu lar, seu doce lar.
Não foi e nem está sendo fácil para ninguém esses últimos tempos, mas para essa turma, que precisa desbravar "o admirável mundo novo", ficou bem mais complexo. Tudo se tornou o avesso do avesso do avesso como diria Caetano. De repente, nem a escola (purgatório de algumas almas) era mais o refúgio e abrigo para o encontro com os semelhantes. O isolamento tomou conta. Isolamento social. Isolamento do grupo. E se o on-line já ocupava um bom espaço na vida deles, durante essa pandemia passaram todos a viver incansavelmente no cyberespaço. Que tristeza! Que desconcerto! Que sacanagem do destino para aqueles queriam e precisavam estar livres e soltos, dando os primeiros passos para novos rumos...
Mas, depois desses quase 18 meses de confinamento, a vida, enfim, parece ir querendo voltar “ao normal”. Os governos anunciaram a volta às aulas para os segundo semestre. Sistema hídrido - mais um termo novo nesses novos tempos. Porém, eis que surge uma galera que agora começa a me apavorar, e muito. Parece que de tanto se isolarem, de tanto claustro, não querem mais o contato, o (re)enconto, a turma, o grupo. Sentem-se alienígenas no seu próprio planeta. Não querem sair do útero da sua casa.
Ouvi esses dias de uma menina de 14 anos que “gente não lhes faz falta”. Isso mexeu comigo, com tudo que vivi até aqui e com o meu velho medo de um futuro distópico. Que serão desses jovens que não querem abrir a porta para vida? No Japão já existe nome para esse fenômeno “hikikomori”: “jovens, entre treze e trinta anos, que se retiram completamente da sociedade, de modo a evitar o contato com outras pessoas.” Pior, já existem vários animes dando voz a esse grupo que não quer saber de grupo.
Aristóteles, eu sempre acreditei que o ser humano é um animal social. Eu ensinei que "nenhum homem é uma ilha". Onde foi que nos perdemos? Não estou preparada para essa nova adolescência. Quero a rota que traga as garotas e garotos de volta à vida, com lágrimas sim, mas com aquela alegria que faz a gente ter esperança e lembrar da delícia que é viver.
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