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Palavras bonitas para um Brasil irreal

Updated: Aug 20, 2021

Entre palavras e ações, há um abismo que só aumenta quando o assunto é educação.





Há algumas semanas, vi um convite em uma rede social para a 2ª edição de um congresso digital chamado "Conversam que Transformam". Pensei cá com meus teclados, deve ser mais um encontro desses que pipocam pela internet desde o início da pandemia. Mas aquele, em especial, me chamou atenção, não somente pelos temas - todos ligados à educação - como também pelos palestrantes que iam de Conceição Evaristo a Lenadro Karnal, passando por Drauzio Varela e Marcos Piangers, além de outros por mim desconhecidos (alguns dos quais virei fã ) como o escritor Daniel Munduruku e Monique Evelle, jornalista e ativista social. Tinha tudo realmente para ser um deleite. Porém, mais uma vez, ouvi belos discursos para uma realidade que ainda não está pronta (ou não quer) para termos uma efetiva educação de qualidade no país.



Os temas abordados , tão importantes e necessários, foram tratados basicamente como se estivéssemos num país de primeiro mundo ou em um que realmente estivesse disponível para trilhar o caminho do desenvolvimento. Não estou criticando a fala dos brilhantes palestrantes, de forma alguma. Tudo o que foi dito tinha lá sua poesia, sua lógica, sua coerência teórica, todavia o que questiono foi a falta de pragmatismo do qual nós, educadores estamos, há tempos, órfãos.


Tudo o que eu ouvia, parecia distante do que esperava ouvir em relação aos temas em questão. Certamente, culpa dessa minha implacável mania de criar expectativas. Sabemos que educação brasileira sempre esteve mal das pernas, mas, nesses últimos 18 meses, ela definha em absoluta letargia. Não sei de outro momento em que alunos, professores e gestores passaram por tamanho desafio desde a chegada da Covid-19. Estudantes em casa - para desespero das famílias, perdidos sem conseguir estudar. Professores que, da noite para o dia, tiveram que aprender a ser um pouco "coach e Youtuber", como orientava meu ex-diretor pedagógico; a escola pública, enlouquecida, sem um plano nacional de emergência para socorrer sua comunidade, e gestores de instituições particulares em pânico pela debandada de seu público . Caos!


Então, diante de temas tão interessantes propostos pelas mesas de conversas sobre "como incentivar a leitura no país", sobre "como criar um aluno crítico contra fake news" ,ou ainda, "como a educação pode transformar o país", era tudo o que eu queria ouvir daquela gente bacana que admiro. Eu e tantos ali queríamos, justamente, entender esse "como" . Como propagar a leitura no momento em que estamos vivendo no qual alunos mal leem enunciados de questões? Como desmentir fake news quando alguns assuntos ainda são tabus em escolas onde a sombra da "escola sem partido" persiste em assombrar professores? Que a Educação transforma uma nação, sabemos há muito tempo; mas como fazer isso se nos últimos dois anos, o Ministério da Educação negligencia em absoluto seu papel? Estamos à deriva...

Numa das mesas, um senhor discursava sobre o "Novo Ensino Médio" como forma de apoio à autonomia e à escolha de carreiras. Oi? Será mesmo que acreditam na viabilidade de uma mudança tão séria, imposta em plena pandemia, num momento de distanciamento social, no qual o parco contato entre aluno e professor se dá de forma remota? Isso, por si só, já desmereceria a conversa, mas ouvi na expectativa de que uma explicação plausível viria. O defensor, entretanto, esclareceu por vezes que o "novo ensino" é pouco prescritivo , traduzindo, não há como orientar na prática o que em belas palavras está na teoria. Qual então a resposta do ilustríssimo? "Isso exige que a escola seja criativa". Ainda bem que não havia microfone aberto ao público, sob pena de ser eu expulsa pelo uso de um calão. Esse senhor é Eduardo Deschamp, professor doutor em engenharia em Santa Catarina e foi um dos grandes articuladores para mudança do ensino médio quando atuou como presidente do Conselho Nacional de Educação. Surreal!


Um tema aparentemente mais pé no chão foi sobre a relação família e escola na pandemia, tratado por uma profissional que já sigo há algum tempo nas redes pela forma simples e pedagógica como "ensina" os pais da atualidade. Seus conselhos foram taxativos: é preciso que a família volte a conversar à mesa, sem o celular; é necessário que os pais acompanhem o trabalho escolar de seus filhos; é fundamental resgatar a oralidade ancestral. Como diriam meus alunos, "buguei" e precisei tomar um pouco de ar e água. Entre um gole e outro, fiquei pensando nas milhares de crianças que estão sem aula porque não têm conectividade. Fiquei imaginando as mães e pais que continuam ausentes de casa se arriscando em meio a uma pandemia para garantir o arroz com feijão . E como não pensar no estresse e frustração de estudantes rejeitados pela família e pelo Estado. De volta à mesa, o que ouvia ali era direcionado, claramente, para uma elite a qual sabemos não irá tirar o Ipfone de seus filhos e vão continuar terceirizando a educação seja para professores particulares, cursos ou para terapias. Utopia!


E por falar em terapia, eis que chega o momento mais aguardado: Saúde mental- como apoiar os jovens com os desafios da pandemia. Essa mesa foi assistida por 13,727 pessoas, prova cabal do interesse (ou desespero) de muitos por encontrar essa resposta. Porém nada, absolutamente nada, foi dito sobre o "como". Dizer que ansiedade, o medo e a depressão aumentaram no último ano e que a busca por serviços de terapia on-line a preços acessivos aumentou, todos sabemos! Mas como apoiar a criança e o jovem que estão vivendo em suas cápsulas cibernéticas? Como apoiar adolescentes que estão perdendo o seu pertencimento pela ausência do grupo? E o que fazer com as tantas descobertas adiadas que se farão - se é que se farão- tardias? O que fazer com esses meninos e meninas trancafiados em si? Quantas perguntas!


Vocês talvez estejam pensando: Que droga de congresso foi esse!? Não. Não foi. Todos (ou a maioria absoluta) dos que estavam evolvidos ali acreditam verdadeiramente na Educação, creem no poder da leitura, na necessidade de mudar esse país via escola e conhecimento. Talvez eles também estejam com as mesmas indagações que eu, você e todos viventes nesses tempos estranhos. Talvez ninguém saiba mesmo como fazer para que a educação seja a grande revolução desse país. Mas todos nós ali e aqui sabemos que falar, refletir e trocar ideias ainda é uma saída para nos sentirmos vivos e atuantes. Um momento de acender a luz, mesmo que opaca, da esperança em futuras mudanças. Mudanças urgente e necessária para que o Brasil seja digno de belas palavras e ações trasformadoras. Sigamos!

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