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Tema2- Unicamp (2020)


Você se encontra em uma situação de vulnerabilidade socioeconômica que o deixa mais exposto à infecção pelo vírus da Covid-19 e se sente indignado/a com a negligência do Estado, que não adota medidas sérias e eficazes para evitar que você e outros/as trabalhadores/as corram esse risco. Em um ato de resistência psíquica e política, você decide escrever um diário para registrar o seu testemunho dos acontecimentos extraordinários da pandemia da Covid-19 para que as gerações futuras possam entender como as decisões políticas de um dado momento são determinantes para a história da humanidade.

Escreva um texto de entrada para o seu diário, no qual você deve

a) narrar um episódio em que você corre o risco de contrair a Covid-19 em razão de seu trabalho e;

b) denunciar, a partir desse episódio, a necropolítica como forma de organização de um Estado negligente em relação à saúde dos mais vulneráveis. Lembre-se de que seu diário servirá de testemunho para que seus descendentes tomem conhecimento do exercício da necropolítica que marcou a pandemia da Covid-19. Para escrever seu texto, leve em conta acoletânea apresentada a seguir.


*Diário é um gênero textual, geralmente de caráter íntimo, em que se fazem anotações de experiências pessoais cotidianas, e que é organizado pela data de registro dessas anotações. Alguns diários podem ultrapassar o interesse privado do seu autor e interessar a outros possíveis leitores, sejapela pertinência dasreflexões pessoais, sejapor documentar umaépoca histórica.


1. Necropolítica é um conceito desenvolvido pelo filósofo Achille Mbembe que questiona os limites da soberania quando o Estado , baseado em premissas coloniais, racistas e capitalistas, escolhe quem deve viver e quem deve morrer (...). Segundo a pesquisadora Rosane Borges, racismo,capitalismo e necropolítica são inseparáveis. Um sustenta o outro. Aquilo que o capitalismo acha que não serve mais, ele abate, porque são corpos negros. O que se faz com a massa sobrante do mercado de trabalho? O que se faz com o contingente de pessoas que não são absorvidas pelas novas competências técnicas e tecnológicas do capitalismo? Se mata, se exclui. Obviamente que essa mesma massa sobrante são corpos negros, mulheres negras,que foram fundamentais para a acumulação de capital. Corpos que foram escravizados e que hoje não interessam mais para o capital. São pessoas que estão vivendo nas franjas do sistema social, marginalizadas. Nesse processo de marginalização, a gente cria linhas divisórias entre nós e os outros. E esses outros podem ser alvo de tudo. Inclusive da morte. (Adaptado de O que é necropolítica.Disponível em https://ponte.org/o-que-e-necropolitica-e-como-se-aplica-a-seguranca-publica-no-brasil/. Acessadoem 15/01/2021.)


2. Quais são as consequências dessa pandemia no que diz respeito à reflexão sobre igualdade, interdependência global e nossas obrigações uns com os outros? O vírus não discrimina. Poderíamos dizer que ele nos trata com igualdade, nos colocando igualmente diante do risco de adoecer, perder alguém próximo e de viver em um mundo marcado por uma ameaça iminente. A desigualdade social e econômica garantirá a discriminação do vírus. O vírus por si só não discrimina, mas nós, humanos, certamente o fazemos, moldados e movidos como somos pelos poderes casados do nacionalismo, do racismo, da xenofobia e do capitalismo. Quais mortes chorar?Parece provável que passaremos a ver um cenário doloroso no qual algumas criaturashumanas afirmam seu direito de viver a custo de outras, reinscrevendo a distinção espúria entre vidas passíveis de luto e aquelas não passíveis de luto, isto é, entre aqueles que devem ser protegidos contra a morte a qualquer custo e aqueles cujas vidas não valeriam o bastante para serem salvaguardadas contra a doença e a morte. (Adaptado de Judith Butler, O capitalismo tem seus limites. Disponível em https://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/2020/03/judith-butler-sobre-a-covid-19-o-capitalismo-tem-seus-limites/.Acessado em 08/09/2020.)


Texto 3


Texto 4


5. O chefe de governo negou a gravidade do problema, insultou os coveiros, promoveu aglomerações e espalhou desinformação sobre o distanciamento, a higienização e o uso de máscara. Jogou com a vida dos que acreditaram em um remédio inócuo, a cloroquina, e nisso comprometeu o Exército e o SUS. Desmoralizou os médicos Ministros da Saúde, ignorou medidas que inibiriam a evolução da doença e deixou mofar milhões de testes que ajudariam a salvar vidas. Após atribuir poderes políticos às vacinas, o governo federal se dedica agora, negando uma cultura de cem anos, a minar a confiança nelas. Por ele, a pandemia nunca será superada. (Adaptado de Ruy Castro, Os médicos sobre Bolsonaro. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ ruycastro/2020/12/os-medicos-sobre-bolsonaro.shtml. Acessadoem 14/12/2020.)


COMENTÁRIO


Mais uma vez a Unicamp traz uma prova em que o contexto sociocultural é atual e crítico, exigindo do candidato não apenas conhecimento sobre temas atuais, mas fazendo pensar/sentir a situação criada - no caso estar na pele de um cidadão que passa por "situação de vulnerabilidade socioeconômica " e têm que se expor em busca do seu sustento, porém correndo risco de contrair a Covid-19 em face da negligência do Estado que não age com medidas mais severas para minimizar a situação de contágio.

A situação de produção é parte do contexto de que esse "personagem", em busca de aliviar a tensão e desgaste emocional, decide escrever um diário com o objetivo de deixar às futuras gerações o registro desse tempo para que as próximos governantes saibam lidar melhor com a situação grave como uma pandemia.

Perceba que só na contextualização da prova, mais que conhecimento, exige-se do candidato empatia, crítica social, análise política dos fatos, visão de futuro. Além, obviamente, da estrutura de um diário no qual, obrigatoriamente, o "personagem" "deveria narrar um episódio em que você corre o risco de contrair a Covid-19 em razão de seu trabalho e denunciar, a partir desse episódio, a necropolítica como forma de organização de um Estado negligente em relação à saúde dos mais vulneráveis. Lembre-se de que seu diário servirá de testemunho para que seus descendentes tomem conhecimento do exercício da necropolítica que marcou a pandemia da Covid-19.

Para tanto, o candidato tem como apoio 5 textos. Sempre lembrando que a coletânea colocada em prova deve ser lida, interpretada e relacionada com o tema. No texto 1, há a definição de necropolítica (uma ajuda e tanto para o aluno que desconhecia o termo); no texto 2, uma severa crítica à desigualdade social que impõe aos mais pobres chances maiores de contaminação, situação mais uma vez exposta no texto 3, com ênfase a possibilidade de escolha de alguns em sair ou não de casa e se expor à contaminação. No texto 4, a crítica recai sobre situações vividas pelo trabalhador informal que além de não ter os benefícios da seguridade trabalhista ainda se arrisca em transportes lotados e, por fim, no texto 5; a crítica direta ao governo que nega a gravidade do problema, promove aglomerações e espalha desinformação. Situações veementente condenáveis pelos órgãos de saúde.

Estruturalemnte o texto (diário) deve ser escrito em primeira pessoa e poderia na introdução, dizer o objetivo da escrita, fazendo breve apresentação do personagem para que se compreenda o contexto social, no desenvolvimento contar um fato como exigido no item "a" e a crítica à necropolítica e, na conclusão, o que espera do seu futuro/ humanidade/ tempo.

Tema interessantíssimo, atual, necessário. Mais uma vez, Unicamp dando aula de elaboração temática.



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